domingo, 9 de outubro de 2011

3ª Jornada de Psicanálise - Leituras de Freud III

Leitura de Freud V - "Os Arruinados pelo Êxito"

"Expandir-se, competir, vencer, em quaisquer tipos
de atividades, pode significar para o indivíduo
crescer, tornar-se adulto e... Conseqüentemente,
apavorado com a possibilidade desse triunfo,
via de regra, ele fracassa após um ganho ocasional,
vindo assim inibir sua potência, seu crescimento".

ALGUNS TIPOS DE CARÁTER ENCONTRADOS NO TRABALHO PSICANALÍTICO:
AS 
     EXCEÇÕES
OS        ARRUINADOS PELO ÊXITO
             CRIMINOSOS EM CONSEQÜÊNCIA DE UM SENTIMENTO DE CULPA


   “Os Arruinados pelo Êxito”

           No início, acreditava que era por acaso. Injustiças, perseguições rotineiras, coisas da vida, que   podem acontecer a qualquer um. Por que não com o meu marido? Depois, constatei que não era bem  assim, pois o fato passou a se repetir e vi que ele fazia por onde, armava toda a situação.
           É isso, doutor, meu marido não consegue ficar de bem com a vida, vive em conflitos na área profissional, arrasa os laços pessoais. Ele parece fraco, não é dono de suas emoções. Peço sua ajuda, não sei como lidar com isto, como ajudá-lo, pois afeta a todos em casa, a mim e meus filhos.
            Sempre que ele conquista uma nova posição, um de destaque nas empresas em que trabalha, ele arruma um meio de ser posto de lado, de perder seu lugar, e acaba saindo do emprego, fazendo inimizades. A ladainha é sempre a mesma, os superiores estão contra ele, têm medo de seu crescimento, e por aí vai. Ele não reconhece seus erros. Ele é bom naquilo que faz, todos dizem, mas o problema é o emocional.
 
        "... defrontei-me com o caso de um respeitável senhor, professor universitário, que nutria havia muitos anos o desejo natural de ser o sucessor do mestre que o iniciara nos estudos. Quando esse professor mais antigo se aposentou e os colegas informaram ao pretendente que ele fora escolhido para substituí-lo, começou a hesitar, depreciou seus méritos, declarou-se indigno de preencher o cargo para o qual fora designado, e caiu numa melancolia que o deixou incapaz de toda e qualquer atividade durante vários anos".

Um rapaz tinha paixão de longo tempo por um determinado automóvel importado, luxuoso e caro. Guardava quase todo o dinheiro que ganhava, mas nunca tinha o suficiente para comprar o carro. Um dia recebeu uma herança de seus pais e conseguiu realizar seu grande desejo. Uma semana após, raspou no pilar quando vai colocar na garagem da sua casa.

         •Um funcionário espera ansioso pela chegada das férias e quando elas chegam, ele se mostra triste, cansado, enfadonho e já a sonhar com o retorno ao trabalho.
    Um jogador esperava muito uma convocação para jogar em determinado time. Quando acontece a convocação, ele acaba fraturando um braço, numa pelada com os amigos.
Um empresário consegue concretizar o seu sonho de construir uma mansão num bairro nobre e, 15 dias após a mudança, sofre um infarto do miocárdio e quase morre.
     O êxito e o sucesso para este caráter é motivo para desequilíbrio e patologia.
  “Parece ainda mais surpreendente e, na realidade atordoante, quando, na qualidade de médico, se faz a descoberta de que as pessoas ocasionalmente adoecem precisamente no momento em que um desejo profundamente enraizado e de há muito alimentado atinge a realização. Então, é como se elas não fossem capazes de tolerar sua felicidade, pois não pode haver dúvida de que existe uma ligação causal entre seu êxito e o fato de adoecerem.”
A   Psicanálise aponta pessoas que adoecem de neurose como resultado de frustração...
         •Assim, a privação e frustração de uma satisfação real é a primeira condição para geração de uma neurose.
         •Se o desejo no qual a libido pode encontrar sua satisfação está contido na realidade, isso constitui uma frustração externa. Em si, ela é inoperante, não patogênica, até que uma frustração interna se junte a ela.
Por conseguinte, a frustração interna está potencialmente presente em todos os casos, só que não entra em ação até que a frustração externa real tenha preparado o terreno para ela.
     O sofredor não se permite a felicidade: a frustração interna ordena-lhe que se aferre à frustração externa.  
Porque será que isso ocorre?

        Freud nos responde dizendo que: uma das explicações para esse fato é que tais pessoas encontram mais satisfação na fantasia do que na realização do desejo. Assim, enquanto sonham, planejam, desejam, aspiram alguma realização, elas se mantêm afastadas de um conflito. Porém, quando a realidade aproxima a realização do desejo, surge uma série de fenômenos para defender sua fantasia. É uma forma também de manter o desejo em estado de insatisfação.
 
        Podemos tomar como exemplo de pessoa que sucumbe ao atingir o êxito, após lutar exclusivamente por ele com todas as suas forças, o caso de REBECA GAMVIK – uma peça de Ibsen.

- Rebeca era filha de uma parteira, foi educada por seu pai adotivo, o Dr. West, para ser uma livre-pensadora e para desprezar as restrições que uma moral fundamentada na crença religiosa procura impor aos desejos da vida.
- após a morte do médico, ela encontra um emprego em Rosmersholm, o lar, por muitas gerações de uma antiga família cujos membros desconhecem o riso e que sacrificam a alegria ao rígido cumprimento do dever.
- seus ocupantes são Johanes Rosmer – ex-pastor e sua esposa inválida e infecunda Beata.
- dominada por uma paixão selvagem e incontrolável pelo amor de Rosmer, Rebeca resolve eliminar a esposa.
- é bem-sucedida em seu plano, Beata comete suicídio e Rosmer, tempo depois desejará unir-se a Rebeca.

...agora se recusa a colher o fruto do êxito, quando este lhe é oferecido...
- “quando toda a felicidade da vida se acha ao meu alcance... meu coração esteja mudado e meu próprio passado dela me exclua.”
- isto é, nesse meio tempo, ela se tornou um ser diferente; sua consciência despertou, ela adquiriu um sentimento de culpa que a priva de fruição.

- E O QUE LHE DESPERTOU A CONSCIENCIA?


       - ouçamos o que ela mesma diz: “foi a visão rosmeriana da vida que contaminou minha vontade – escravizou-a a lei que antes não tinha qualquer poder sobre mim. Já se foi a época em que tinha coragem para tudo. perdi o poder de ação.”
         - declara-se criminosa. Ela expressa o que sabe e o que sentiu. 
         
         Mas isso não é necessariamente tudo o que aconteceu dentro dela, nem é preciso que ela tenha compreendido tudo que ocorreu.
         A influencia de Rosmer pode ter sido apenas um véu, que ocultou outra influencia atuante, e um notável indicio aponta nessa outra direção.

         - na última conversa que encerra a pela, Rosmer a perdoa... mas, perdão algum pode livrá-la do sentimento de culpa em que incorreu por ter maldosamente enganado a pobre Beata; mas, se recrimina por outra coisa...
         ...tinha tido outros homens...Mas, o verdadeiro motivo de se sentimento de culpa, que faz com que ela seja destroçada pelo êxito, ainda permanece em segredo...



Descobre-se criminosa de um INCESTO – fora amante de Dr. West que, por sua vez, não fora apenas pai adotivo, mas era o seu pai biológico.

         Antes do conhecimento de seu incesto, a consciência já havia despertado parcialmente em Rebeca. Trata-se de um caso de motivação múltipla, no qual um motivo mais profundo aparece por detrás do mais superficial.
        
      O sentimento de culpa de Rebeca tem sua fonte na exprobração do incesto, mesmoantes de Kroll, com perspicácia analítica, tê-la tornado consciente disso. Se reconstruirmos o passado dela, ampliando e preenchendo os indícios fornecidos pelo escritos, poderemos sentir-nos seguros de que ela não pode ter deixado de suspeitar da existência de uma relação intima entre sua mãe e o Dr. West. Deve ter ficado fortemente impressionada ao se tornar a sucessora da mãe junto a esse homem.
        Ficou sob o domínio do complexo de Édipo, embora não soubesse que, em seu caso, essa fantasia universal se convertera em realidade. Quando chegou a Rosmersholm, a força interna dessa primeira experiência impeliu-a a provocar, por uma ação vigorosa, a mesma situação que já se realizava no exemplo original devido à sua inação – a livrar-se da esposa e da mãe, de modo a poder ocupar olugar desta junto ao marido e ao pai.
Não  se trata de uma versão enfeitada das coisas, mas de uma descrição autentica. Tudo que lhe aconteceu em Rosmersholm, sua paixão por Rosmer e sua hostilidade para com a esposa dele, foi, desde o começo, uma conseqüência do complexo de Édipo – uma réplica inevitável de suas relações com sua mãe e com o Dr. West. 
         Da mesma forma que sob a influencia do Dr. West ela se tornou uma livre-pensadora, menosprezando a moral religiosa, assim também ela se transforma por seu amor a Rosmer. Ela chega a compreender esse aspecto dos processos mentais dentro de si, justificando-se assim ao descrever a influencia de Rosmer como motivo de sua mudança.

         O clinico psicanalista sabe quão freqüentemente, ou quão invariavelmente, uma moça que entra para o serviço de uma casa como criada, dama de companhia ou governanta, consciente ou inconscientemente tece um devaneio, oriundo do complexo de Édipo, no qual a dona da casa desaparece, vindo o dono a receber a recém-chegada como sua esposa no lugar da outra.
         Neste caso, o que torna trágico é a circunstancia extra de que o devaneio da heroína tenha sido precedido na sua infância por uma realidade precisamente correspondente.
        O trabalho psicanalítico nos ensina que as força da consciência que induzem à doença, em conseqüência do êxito, em vez de, em conseqüência da frustração se acham intimamente relacionados com o complexo de Édipo, a relação com o pai e a mãe – como talvez, na realidade, se acha o nosso sentimento de culpa em geral.
      Começa a se insinuar na teoria freudiana uma culpa estrutural em todo filho – ligada à sua genealogia (e filiação), segundo os traços de “Totem e Tabu” – tendo a ambição como seu complemento. No tipo de caráter dos que fracassam (por culpa) quando triunfam (em sua ambição) não é possível fazer circular a culpabilidade pelo caminho da dívida simbólica, uma vez que se trata de sujeitos que não suportam receber os dons do pai.
“bom demais para ser verdade”

FRACASSAR AO TRIUNFAR:


O destino ataca a possibilidade desejante e precipita a uma pálida covardia moral ou ao suicídio, justamente aí onde o êxito estava ao alcance da mão.

Rebeca Gamvik e a falta do pai:
Nos pecados do pai se pode encontrar resposta à interrogação edípica:
 “onde achar o traço da antiga culpa?”
              - falhas do pai que remetem a um pecado original irremediável.
          
Qual falta precipita Rebeca ao fracasso justamente ali onde é quase possível agarrar a felicidade, sendo perdoada e esposada pelo homem que ama? 




- o pecado, o maior, o original e mortal, revela em seu “saber não sabido”: ser amante do pai e cúmplice em seu fantasma – da morte de sua mãe, cujo lugar ocupa ao se converter em amante do Dr. West.
- Empurrão do destino para o tópico de incesto e crime. Obrigação de pagar com o fracasso que conduz a “aprisionar os desejos da vida”: “Porque não se pode alcançar a vitória em uma causa que tem sua origem no pecado”.  

Como Édipo Rei, Rebeca é inocente; conscientemente não incorreu em incesto, embora este se esconda por trás da cobiça amorosa, mas, para realiza-lo, é preciso que tire Beata do meio.

É a culpa pelo seu quase-assassinato de Beata o que lhe impede de colher o triunfo?
- “agora, quando me é ofertada a felicidade da vida de mãos cheias, meu passado me impõe uma barreia.”



Esse passado é sua “convivência” com o Dr. West – quer dizer, o INCESTO.

 Ela descobre esta verdade por meio de Kroll, irmão de Beata, que aparece como um juiz, hostilizador impiedoso e feroz.

São os pecados de seu pai que amarram a uma fixação insubstituível.

Freud indica que a culpa é muito mais que um sentimento – um peso oprimente que o sujeito deve suportar – é também a procura de causas, razoáveis e válidas, para a condenação, ainda que estas sejam pistas falsas para afastar o verdadeiro crime; para guardar zelosamente o verdadeiro crime não sabido. Manter secreta a falta fundamental para usufruir do gozo dele, caso contrário, a verdade parte a trama fantasmática e se fica à mercê da angustia que impele à passagem ao ato.

Um saldo clinico desta obra dirá:
Que se cuide o analista de ocupar o lugar de Kroll. Se com o interrogatório ele faz emergir uma verdade insuportável, a confissão não deixa nenhum saldo analítico. Se nas primeiras confissões sacia a culpa e evita a angustia, ao precipita a insofrível verdade do crime maior lança na angustia – que termina em uma temível passagem ao ato: o suicídio.

Delicado lugar o do analista.


          O TRAÇO DE CARÁTER É CUNHADO PELO PAI

          Os traços de caráter serão vinculados ao seperego.
         Em 1916, Freud se refere aos “tipos de carater” como verdadeiras fortificações resistentes a toda influência possível do tratamento. (RTN)
         Carater e SE se vinculam porque ambos mantém nexos com a satisfação pulsional substititiva.
        Para Freud, não há formação caracterial sem as ferroadas do SE, sem a incidência da Cs Moral e, embora atribuídos ao eu, seus fragmentos mais importantes provêem do SE.

         A tipologia freudiana do carater está apoiada no SE, isto é visto ou vislumbrado em: “Carater e erotismo anal (1908), “as exceções”, “arruinados pelo êxito”, os criminosos pelo sentimento de culpa” e se ratifica em 1931 com os “tipos libidinais”.
  
         Se o referencial das estruturas clínicas é o desejo, os referenciais dos “tipos de carater” e dos “tipos libidinais” são o SE e a pulsão.


Ele goza, sente-se reconhecido e amado na perda. No plano consciente, ele diz que não quer fracassar. Isto é verdade! Ele quer ser um vencedor, ocupar cargos de chefia, avançar profissionalmente. Mas, não é o que acontece! Ele caminha numa direção contrária àquela preconizada de antemão. “Digo para mim mesmo que quero vencer, mas, quando vejo, lá estou novamente caminhando rumo a um desgaste nas relações, que me leva fatalmente à ruptura, ao fracasso”. Eis a questão!
Que desencontro é este? Todos, uns mais, outros menos, carregamos um horror ao êxito.

        Qual a lógica que preside este conflito? É um problema que é assunto que ilustra o cotidiano de nossa mídia. Este tipo de questão está nos jornais, na televisão, na rede virtual. É o prato do dia da imprensa, a senhora quer ver?
Grandes nomes do futebol, da noite para o dia, se machucam, entram num desacordo social, caem na onda de um uso e abuso de drogas e bebidas alcoólicas, engordam, perdem a boa forma. Também acontece com alguns atores de cinema. Logo que se tornam famosos, caem na desgraça e, às vezes, até mesmo na morte. O sucesso pode machucar, ele pode ser perigoso, causar danos irreparáveis, quando o próprio sujeito se apresenta sem condições de suportá-lo. O sucesso, pode ser muito perigoso.
Mas, certamente, dirão: todos querem o sucesso, quem não quer o sucesso? Como administrá-lo, como suportá-lo? Não é fácil, não existe outra saída senão um autêntico trabalho do inconsciente, através de uma psicanálise.
        De nossa parte acreditamos ser necessário tirar um tempo e refletir sobre todas as implicações e interesses que subjazem a essa proposta. 

          Afinal, é gostoso ter sucesso e se deliciar sem culpas!



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