terça-feira, 16 de abril de 2013

A Clínica Psicanalítica Hoje (texto de abertura da Jornada 2013)


Abertura – 4ªJornada de Psicanálise
“a multidão dos que não viveram o suficiente... não é de uma carpideira que precisam, é de um adivinho. Precisam de um Édipo que lhes explique seu próprio enigma, cujo sentido não detém... é preciso ouvir palavras que jamais foram ditas, que ficaram no fundo dos corações (perscrute o seu coração: elas estão lá); é preciso fazer com que os silêncios da história falem.” ( Jules Michelet, 1842)
O desejo de alcançar uma lucidez maior para descobrir a significação inconsciente de situações difíceis de viver ou de sintomas incompreensíveis implica a aceitação do fato de que, no final das contas, as causas desses sintomas psicológicos jazem no fundo da própria pessoa. Essa concepção indica que o futuro analisando, o analisando em potencial, aceita implicitamente o conceito de um “eu” inconsciente.
A psicanálise é esse trabalho com o inconsciente e, este é um potencial em busca de sentido, assim, podemos definir que a psicanálise é esta contínua produção de sentidos. Assim, a psicanálise se ocupa do sujeito do ICS – sujeito às questões do ICS, pela necessidade de dar sempre uma interpretação, de construir um sentido para este ICS.
A grande revolução de Freud é a concepção do ICS. Como o ICS se fazia presente? Como teríamos acesso a ele? Como ele se faria entender? É em busca destas respostas que Freud vai criando suas teorias.
O ICS aparecia nos sintomas, nos atos falhos e nos sonhos...
O que chama a atenção nos sonhos?
Seu caráter de estranheza, loucura, obscuridade, enigmático.
O aparelho psíquico apresenta oposição de forças (desejo x censura) e com isso surgem as deformações. Deformações falam de censura. E o sonho denuncia esta deformação, é contra a deformação que agente sonha. Assim, onde há resistência e censura, há desejo; onde existe sintoma, tem desejo; onde existe sonho, tem desejo.
O sonho dá noticia de que a loucura está presente em todos nós.
Por que precisamos sonhar?
Os sonhos estão mais próximos do ICS...
A moralidade é diferente no dia. Precisamos também do amoral, a moralidade não é algo tão certo em nós, é preciso reduzir a critica, a racionalidade, a censura, a moralidade, para ter acesso ao ICS. A ação da censura diminui porque a noite a realização concreta do desejo fica impossibilitada, o que nos levaria à ação fica bloqueado, por não ter ação, a censura diminui. Por isso, surge a passagem para sonha o “proibido”.
Como deve ser nossa posição diante de um paciente que sonha: despertar o paciente que existe uma vida do lado de dentro, vida essa que está querendo produzir sentido.
Myrna Favilli (1988) sugere que os analisando buscam ajuda inconscientemente (e de forma ambivalente) para sonharem seus ‘terrores noturnos’ (os sonhos não sonhados e não sonháveis) e seus ‘pesadelos’ (os sonhos interrompidos quando a dor da experiência emocional sonhada ultrapassa a capacidade de sonhar). A tarefa do analista é gerar condições que permitam ao analisando sonhar – com a participação do analista – os sonhos antes não sonháveis e interrompidos.
O analista é um continente temporário de determinados tópicos emocionais ainda insuportáveis para o paciente. Esses conteúdos digeridos pelo analista podem ser reintrojetados de uma maneira talvez mais compreensível e suportável para o paciente. Este introjeta a partir dessa experiência também um objeto capaz de pensar. Essa concepção levou a uma grande abertura com relação à compreensão da relação que se estabelece em uma análise entre o analista e o analisando, pois, a partir disso, o encontro analítico passa a ser visto cada vez mais como um encontro, como uma relação que se estabelece entre duas pessoas e que produz um grande impacto em ambos desencadeando um processo de comunicação.
Começa-se a pensar nos elementos presentes da relação que se estabelece entre o analista e seu paciente, porem, sem nunca perder de vista que a função do encontro e da relação é sempre o conhecimento da mente do paciente.
Passa a ser importante, a possibilidade que o par analista-paciente tem para construir e sustentar uma relação que contenha e dê sentido às experiencias emocionais que vão se desenrolar durante a sessão; não se trata mais de uma relação que está em busca de verdades históricas ou objetivas do paciente, mas uma relação que, a partir do contato profundo com as emoções despertadas naquele encontro, oferece um modelo de relação mental que possa ser introjetado pelo analisando, cuja característica é conter e conhecer o que se passa emocionalmente, e assim, desenvolver o aparelho do pensar.
A decodificação de significados inconscientes cede lugar à construção de sentidos na relação, a partir da identificação projetiva, que é considerada nos dois sentidos, tanto do paciente em relação ao analista quanto ao contrário. Dessa forma se dá uma profunda troca e comunicação emocional entre os elementos constituivos do par, cuja tarefa será encontrar meios de sonhar e narrar esta experiência dando-lhe um sentido, propiciando a capacidade do paciente de pensar.
Assim, as intervenções do analista devem procurar abrir novos campos, possibilitando abertura para o surgimento do novo e do desconhecido. Um espaço para circular as emoções e gerar uma comunicação entre elas.
Só para assinalar, o que disse até agora é como eu vejo a clínica psicanalítica e é claro que minha visão veio de contribuições kleinianas, bionianas, e até winnicottianas. Com isso, podemos pensar nesta diversidade de teorias psicanalíticas que geram diferentes modelos clínicos também, e o que fazer com tudo isso? Como reagir a este movimento diverso? Ficamos apenas fiéis a Freud, ou podemos questionar se a clínica psicanalítica atual é a mesma de Freud?
Podemos dizer que enfrentamos a “babel”, e, se diferentes aportes fazem sentido para a clínica e instigam nossa reflexão, passamos a ter que suportar sua tensão. No encerramento deste percurso, fica o convite: que nos deixemos tocar pela clínica e teoria de diferentes autores e procurar tanto por sua coerência como por seus impasses internos; e que sigamos buscando diferencia-los para melhor poder articulá-los. Para tanto, é necessário ir à fonte, lê-los no original. Primeiro ir à fonte principal que é Freud, todavia, também é importante ir às fontes de cada autor, fazer suas leituras no próprio autor.
Como nos assinala Mezan, os diferentes modelos teóricos tiveram origem na dispersão (e difusão) da Psicanálise por diferentes paises. Vemos, assim, que abordar a transferência na clínica pós-freudiana é um tema de extrema riqueza e complexidade, pois envolve modelos que evoluíram e se desenvolveram a partir do tronco freudiano inicial. E é isso o que veremos nas mesas de supervisão.
O que Mezan vem nos apresentar é que não temos a verdade última sobre a psique humana, algo que muitos gostariam de sustentar. Por outro lado, não é tarefa fácil para os analistas lidar com a existência de diferentes modelos. É verdade que alguns autores propuseram que a “era das escolas”, como foi denominada, era dominante nos anos 60 e 70, e se ela chegou ao fim, é porque teria chegado a hora de buscar os pontos de coincidência e confluência entre os modelos, ampliando a possibilidade de diálogo e lutando contra a babelização que decorreria dos grupos se fechando em torno de teorias, com cada vez menos possibilidade de comunicação entre si.
Para buscar na fonte, Freud, podemos recorrer aos artigos técnicos de Freud e repensar o termo “recomendações”...

Portanto, na perspectiva teórica de Freud, é impensável a existência de uma técnica analítica normatizada e universal. O que não quer dizer que o processo psicanalítico não obedeça a uma lógica rigorosa, que encontra sua fundamentação na teoria psicanalítica em reformulação permanente e numa precisa orientação metodológica (BIRMAN, J.).
Sabemos que questões simples como receber ou não um presente, responder a determinadas perguntas, dar ou não diagnóstico, cobrar ou não a primeira entrevista etc., não se encontrarão respondidas em uma simples “orientação de procedimento”. Essas serão sempre questões que a técnica em Psicanálise responderá, mas responderá com algo que remete de volta ao par analítico, porque, como tudo mais em análise, irá depender do singular daquele sujeito, do singular daquela transferência, dos inúmeros acordos construídos entre o sujeito analisando e o sujeito analista, entre os entrelaçados singulares das histórias que se atualizam no par da transferência.
Desta forma, seguindo o grande gancho que nos é possibilitado pela prática psicanalítica − o de alimentar nossa capacidade de perguntar − e para ampliarmos, via este texto, a possibilidade desse “fazer”,  Ferenczi nos convida a reflexão:
Esse desejo impetuoso de tudo saber, que me levou neste último parágrafo às distâncias fabulosas do passado e me fez, com ajuda de analogias*, ultrapassar o que ainda nos escapa, traz-me de volta ao ponto de partida dessas considerações: o problema do apogeu e declínio do sentimento de onipotência. Como dissemos, a ciência deve renunciar a essa ilusão, ou pelo menos saber até que ponto ela penetra no domínio das hipóteses e das fantasias” (FERENCZI, S. p. 87).¹
Perguntar-se sempre, duvidar de si mesmo e de sua prática, talvez seja um caminho para o enunciado de uma clínica psicanalítica e ao ultrapassar dessa onipotência que nos marca, a todos, em nosso desenvolvimento, quer pensemos ele no curso do nosso desenvolvimento pessoal (corrente da libido), quer a pensemos no curso da formação enquanto psicanalistas.
É preciso cuidar para que o teorizar não supere o viver. (Amaury)
Como Amaury nos faz refletir, será que diante da emergência deste mundo novo que se renova, e que a psicanálise própria ajudou a construir sob diversos planos, é necessário reconsiderar seu papel e seu lugar?
Amaury acredita que os rumos de uma terapia ou psicanálise estão inevitavelmente impregnados por inúmeros fatores humanos e em todos eles o inconsciente participa inevitavelmente.  E, uma mensagem que, certamente, o inconsciente nos dá, é que existe um não saber e, ao mesmo tempo, que existe um saber que precisa ser questionado. E aliás, questionar é o que a análise faz de melhor.
Numa constatação certamente banal podemos afirmar que entre o conceito e o fazer existem pessoas. Entender pessoas é muito mais difícil, a tarefa de toda teoria, por mais simples que seja, é o de ajudar a entender as pessoas, a vida, a natureza, a existência humana. Na teoria psicanalítica supomos que sua função principal e essencial é o de entender pessoas, não só durante o seu exercício, mas também fora dele.
É preciso pensar sempre que psicanálise não é um estilo de vida e, por isso, é preciso ter vida e prazer fora do consultório. Enxergar-nos sempre como humanos e permitir sempre um espaço de comunicação de nossas emoções e dúvidas para que não criemos nenhuma verdade absoluta.